segunda-feira, 23 de junho de 2008

Das palavras

"A monotonia que, no silêncio, preenche todo o vazio desta imensidão..."
Um verso qualquer, palavras ajuntadas aleatoriamente, incalculadamente, descuidadamente, que no entanto nos parecem tão comuns. Sempre que me sento frente a uma folha vazia de papel e a minha fiel caneta, "mi unicornio azul", imagino se o que poderia saltar deste vazio para o vazio da folha seria realmente apenas mais um plágio inconsciente ou mais uma marca da incompetência de um poeta inadvertidamente inexperiente. Penso, repenso. O que em tal singular ordem ou conjunto faz de tal fala um primor poético? Primor poético... existe realmente tal coisa? Você por acaso lê poesias do século XIV e acha que ali naquelas linhas tão rebuscadas há o mesmo sentimento que se vive e seu tempo? Você perde seu tempo lendo a verborréia que sempre salta aos olhos nos jornais e revistas, ouvindo a declamação infame de um carroceiro anunciando seus produtos à rua em sua voz rude, imaginando se um dia houve um poeta em tais moldes?
"Esqueces que as palavras são realmente tuas? Que a boca que antes declamava não passa mais de um antro de malidicências e palavras vãs? Pelo visto, crês que tua alma tem ainda o frescor da juventude, mas não vês que tuas idéias mostram as rugas da tua decriptude. Queres teus anos de volta, queres retomar todas as palavras já escritas e declamadas, queres apagar das memórias que um dia tuas ideias torpes já chegaram aos ouvidos atentos de teus amigos e amados. Não escreves para ver teus versos recitados a cada esquina, escreves por egoísmo, escreves por ódio. E que iria eu querer com isso?"

terça-feira, 17 de junho de 2008

O que parece?

É incrível perceber como uma música qualquer consegue remeter-nos a uma memória qualquer. Andei, corri, voei em sonhos nauseabundos antes de encontrar sanidade naquela melodia torta que saía do rádio. Demorei a entender que não era o caso de eu ter voltado a mim mesmo por todo aquele ruído rude que me vinha aos ouvidos, mas essa abrupta "dor", tão profundamente e aguçadamente aumentada por aquela combinação de mau gosto de notas e timbres que me fez parar. "Que merda é essa?" Não adianta disfarçar algo que no momento estava explícito mesmo em meus gestos e tremores, pois não há graça no ser humano sem suas excentricidades, expectativas frustradas ou irracionalidades atrozes. A luz que só meus olhos vêem, essa maldita luz que não me deixa dormir, não faria sentido para mais ninguém, ainda assim é esta minha loucura que me permite olhar-me no espelho e não desejar ser outro alguém. Ou será que desejo? Secretamente louco, indiscretamente tolo, quem há de duvidar da minha certeza? (Tenho alguma certeza? Como assim "certeza"? Por o que me toma? Quem é?)
Ah! as graças de um demente dirigindo uma ambulância através da estrada de tijolos amarelos! (Que se cuide o mágico de Oz!) Com certeza mais são que qualquer um dos corajosos homens de lata que andam por aí!
E essa maldita melodia monótona, cacofônica, monocórdica martelando incessante em meus ouvidos! "Calem a maldita boca que canta, cortem a maldita mão que toca e degolem esse maldito compositor!" pois, neste salão em que dançam minhas idéias, esse maldito mantra não mais há de tocar!

domingo, 15 de junho de 2008

Para começar... o horror e o deleite de ser o que sou...

Não, não diria que é tão difícil descrever-me... Um amontoado de carne e ossos? Não, isso é muito genérico... Quem sabe um indivíduo um pouco louco? Sim, essa se aproxima bastante. Mas o interessante é se perguntar o que me levou a tornar-me a pessoa que sou hoje. Não, ninguém nasce já sendo quem é. A vida nos ensina, nossos pais nos ensinam, nossas amizades, nossas paixões nos ensinam, nossas dores, mágoas e ressentimentos também, mas acima de tudo, somos quem somos por causa do tempo. Somente o tempo pode fazer nos enxergar com clareza, se nos empenharmos, é claro, coisas que na inocência da nossa inexperiência são invisíveis aos nossos olhos.
Mas não vim aqui para debater questões filosóficas de grande amplitude, apenas vim descrever o que é ser o que sou. Não é difícil entender... Se tivesse que descrever-me, diria que sou um grande lago, primeiramente, pois se fosse rio não saberia para que lado correr, tamanhas as minhas dúvidas certas vezes. O que define um lago? Águas contidas pela imponência do relevo? Sim, como sentimentos, tão profundamente escondidos, ou, por vezes, esquecidos, que se fundem à paisagem, represados pela relutância de meus lábios, mas tão nítidos ao fundo de meus olhos, apenas janelas para a imensidão (do vazio, será?) que há dentro de mim.
Então quando penso estar em paz, um vento sopra, cai um chuva e as águas transbordam, como lágrimas marcando um rosto infantil, transtornado e confuso, desesperado e furioso. Por quê? Por que não consigo conter a fúria do oceano que se agita dentro de mim? Malditos olhos que me denunciam, abrem as portas para palavras que preferiria não ouvir, e reações que não gostaria de ter. Tão fácil seria se pudesse apenas abrir mão de sentir! Não teria de me preocupar com as complexidades do amor platônico, ou a malícia de um trocar de olhares. Não mais haveria trocas de palavras ríspidas ou gritos de raiva. Não haveria mais a lembrança das brigas ou das dores, mágoas e ressentimentos.
O que restaria então? Apenas um dia-a-dia tedioso, sem felicidade, sem sofrimento, sem vida. Não, prefiro ter minhas memórias, para que um dia possa fazer como tantos outros que se acham importantes e publicar um livro com elas. Prefiro ter minhas dores, para que possa aprender com elas e ser mais forte. Prefiro ter minhas decepções, para que a cada queda eu possa me levantar e saber escolher melhor. Prefiro ter minhas lágrimas para que eu não me esqueça de continuar tentando. Prefiro apenas viver minha vida, aprendendo a cada erro, errando a cada acerto, acertando a cada aprendizado. Não, não me digas que menti quando disse que não era difícil descrever-me. Pode ser difícil compreender-me, mas prometo que é uma jornada inesquecível.